“RockAntygona" é um espetáculo
híbrido, corajoso, ali entre o litúrgico
e o profano
Adaptada da obra de Sófocles, a peça consegue o improvável, é uma legítima tragédia grega, mesmo sem ser uma legítima tragédia grega.
O diretor Guilherme Leme vai direto ao ponto, contando com a aquiescência do espectador opta por contar a história de Antígona de forma reduzida. Numa opção radical, a direção deixa em cena apenas três personagens do enredo (além do narrador e DJ). Com essa escolha arriscada a peça ganha em ritmo e densidade, além de não cansar o espectador. A História de Antígona é bastante conhecida e é contada numa espécie de prólogo pelo narrador: Antígona é filha de Édipo (homem que teve um relacionamento com a própria mãe e ao descobrir isso mata o pai e fura os dois olhos). Seus dois irmãos Etéocles e Polinices herdam o reino após a morte do pai e combinam de se revezarem no poder, mas Eteócles após o primeiro ano não cede o trono a Polinices. Este se muda para Argos (cidade inimiga) e obtém o apoio do Rei de lá para fazer com que Eteócles lhe entregue o reinado. Após uma briga, os dois irmãos são mortos um pelo outro. Creonte, irmão de Édipo, assume o poder e determina que Polinices não tenha direito a ser enterrado, pois lutou contra a cidade de Tebas e que Etéocles seja sepultado com toda pompa e circunstância. Antígona desobedece à lei e enterra o irmão e é condenada a morte mesmo sob os fortes protestos do filho de Creonte.
Centrando fogo somente nesses três personagens a trama é um concentrado poderoso da tragédia de Sófocles.
É uma peça adulta, sem nenhum tipo de maneirismo para agradar o público. Muito pelo contrário, é uma peça provocativa, tanto pela linguagem utilizada pela direção quanto pelo tema atualíssimo.
Utilizando-se de técnicas expressionistas, brechitianas e pós-dramáticas, o espetáculo “RockAntygona” é totalmente iconoclasta.
Absolutamente tudo o que está em cena tem algo a comunicar:
- A iluminação de Tomás Ribas é simplesmente um deslumbre, praticamente a peça inteira se desenvolve em núcleos muito bem determinados, ideia reforçada pela utilização de equipamentos de luz (elipsoidal) que só foca o que interessa à cena naquele momento deixando todo o resto escuro.
- O cenário é simples e é composto por um tortuoso caminho de pedras, uma mesa enorme, uma cadeira de escritório e várias persianas. Apenas o essencial, nada falta, nada sobra.
- Os figurinos são mesclados. Os dos homens remetem à atualidade e possuem certa aura militar. Já o de Antígona é do passado. Uma concretização dúbia interessante.
- A trilha sonora é agressiva, pontual, indo de rifles de guitarras e tambores à música de grupos como Portishead. É a responsável pela aspecto estranho do espetáculo, tecendo ora comentários irônicos sobre a cena, ora trabalhando no clima soturno e arrebatado da montagem.
Parabéns para todos que trouxeram essa peça. Maravilhosa.
Por Mateus Barbassa
- Os atores possuem atuações equilibradas e cerebrais, mantendo o ritmo de fala e voz exigido numa boa peça trágica. Luis Mello é Creonte, o tirânico Rei de Tebas, sua atuação é madura e apaixonada. Não chega a ser uma surpresa para quem acompanha sua carreira no teatro. Larissa Bracher faz uma Antígona agoniada, tensa, ritualística. A primeira cena do espetáculo em que vemos a personagem num lamento pelo cruel destino de seus irmãos, de si mesmo e também de Tebas, é chocante. A atriz consegue transmitir toda a perturbação necessária, sem dizer uma única palavra. É uma cena arrepiante. Em certos momentos vendo Larrissa Bracher atuando, me lembrei das descrições de Bertolt Brecht sobre a atuação de sua mulher Helene Weigel. No entanto, para mim, a grande revelação desse espetáculo é Armando Babaioff, ator que eu só conhecia de seus trabalhos na televisão. Seu Hémon é o grande ponto de conflito na peça. Ele atua na tropa militar do pai, mas tenta defender Antígona dos desmandos e desvarios do pai. É um papel difícil, que exige um grande ator, que domine os meandros do poder, mas que também tenha sensibilidade ao apelo do desespero de Antígona e da população que é contra a morte dela, mas que se cala com medo das tiranias de Creonte. A cena em que o personagem Hémon entra em cena é caótica, muito bem pontuada pela excelente trilha e pela poderosa iluminação. Um elipsoidal pisca constantemente enquanto o ator se contorce inteiro. É uma cena expressionista digna de um filme de Murnau (se ele fosse vivo e estivesse ainda produzindo). É uma das cenas mais eletrizantes que já vi no teatro. Quando Babaioff entra em cena, seus gestos duros e extremamente marcados chamam a atenção. Depois da conversa com o pai, onde tenta em vão salvar a vida de Antígona, Hémon já não é mais o mesmo. Está alterado pela força das circunstâncias e é nesse momento que acontece a cena mais linda de todo o espetáculo: o ator Armando Babaioff repete todo o gestual inicial militar do inicio da cena só que agora em câmera lenta. É uma cena rápida em sua duração temporal, mas que dá a dimensão existencial do personagem. É nessa movimentação aparentemente banal que o personagem aceita o seu destino.
Aliás, o destino é a personagem principal dessa montagem, muito mais que Antígona ou Creonte ou o Rock da trilha.
Os personagens parecem ser “joguetes do destino” (citação roubada de Shakespeare), por mais que queiram brigar com o imponderável chega uma hora em que aceitam e cumprem suas sentenças de vida e morte. A peça toda é meticulosa e cerebral como uma partida de xadrez: O povo é representado pelos Peões, Creonte representa a figura do Rei, Hémon é o Bispo e Antígona é a Rainha e são seus movimentos em linha reta ou em diagonal que acabam por dar xeque-mate ao Rei. No entanto, nesse jogo de xadrez que é “RockAntygona” não há vencedor. Ao final, as persianas tingidas de vermelho pela iluminação mostram que com o Destino não se brinca e que mesmo tantos séculos depois de escrita, essa tragédia grega ainda é tão atual, principalmente em se tratando de Brasil e sua democracia para estrangeiro ver.
Enfim, poderia escrever muito mais sobre essa maravilhosa montagem, mas fico por aqui. Não sem antes parabenizar a todos os envolvidos no 1° festival de teatro de Ribeirão Preto, especialmente o pessoal do Sesc-RP pela vinda desse espetáculo (na mais pura analogia da palavra espetáculo).
Muito obrigado!
Parabéns para todos que trouxeram essa peça. Maravilhosa.
Por Mateus Barbassa
Obrigado! Fiquei muito lisonjeado.
ResponderExcluirNão foi possível postar fotos e comentários de todos os espetáculos? Gostaria de ver um comentário sobre o nosso que aconteceu dia 15 (Mulheres da Silva). Obrigada. Márcia Santana.
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